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Pastelaria Colmeia.

Estive hoje cedo numa ‘cafeteria’ em Lisboa.

Na verdade, uma ‘pastelaria’. Pastelaria Colmeia.

Bagulho é que, no Rio, pastelaria é onde se faz pastel de ‘carne’ ou ‘frango', que também estão entre aspas, porque carne e frango são interpretações muito soltas pra cachorro e pombo.

Carioca come pastel de carne de cachorro e de pombo, e tá tudo bem. Todo mundo sabe, já saiu inúmeras vezes nos noticiários, já prenderam os cozinheiros, mas no fundo, a gente meio que se acostumou com o gosto. As pastelaria do China, no subúrbio, é o que há de mais frequente nas esquinas pra dar um levante no meio do dia com 5 merréis. Eu comeria pastel de carne de piranha, com a piranha viva, dentro do pastel, se tivesse. Vagabundo não sabe o que é ser Operações Especiais vindo de Bangu e indo pra Del Castilho, com 5 conto pra promover toda a nutrição do dia. 

Por esse motivo nunca vi No Limite. Aquele programa da Globo de uns truta que ia pra uma ilha, e lá passava fome, frio, fogo, pavor e briga, eu já morava numa favela chamada Vila Aliança, eu não precisava de TV pra viver isso, além de ter o SPC, o Serviço de Proteção ao Crédito, na minha cola. Precisava ir pra ilha? Mandava pra Bangu, dava no mesmo. 

Tu consegue sair de casa com 5 conto e volta alimentado, você precisa ser condecorado com a Medalha Pedro Ernesto.

Em Lisboa, nesse tempo, e estamos em dezembro, a manhã dura o dia inteiro. Às duas da tarde, o cenário do céu é como se fosse 7 da manhã, no Rio. Enquanto que, no verão, 7 da manhã no Rio já é meio dia, no Alto do Inferno. E meio dia, no verão do Rio, é o Armagedom da Desgraça Ode a Satanás, em Apocalipse 21.

Entrei na Pastelaria, e olhei a simetria impecável da vitrine. Doces. Português tem a manha. Se tu tem diabetes, te prepara pra ser enterrado aqui mesmo. Os cara faz das coisas mais simples, tipo LÍNGUA DE VIADO, umas língua grande (ai, que delícia, cara), a pastel de nata, e eu comi o Pastel de Belém, que fica em Belém, o pessoal que tava enchendo a paciência pra eu ir lá, eu fui, chega, eu fui.

Uma pessoa simpática veio falar comigo. Kátia. Me deu bom dia, e eu pedi um galão. Galão aqui é um copão de café com leite. Sem miséria. Umas 300 vacas trabalharam para por toda aquela quantidade de leite no meu copo, a América Latina leva 12 anos pra produzir aquele leite, e a China, 8 horas. Os caras botam leite pra caralho no copo. E está tudo bem. Tem mais leite. Leite gordo, meio gordo, quase gordo, nada gordo e magro. Magro é água, natural. Pode pedir água direto. 

Pedi um galão e uma tosta. Adoro estes nomes. Tosta. É um misto, quente, só que com manteiga, de verdade, das 300 vacas que ficam na cozinha trabalhando.

Mordi o primeiro pedaço e senti a manteiga sussurrar no meu ouvido: “oi...saudade de você. Eu tô aqui, te esperando. Percebi que o açúcar, tua esposa, não veio. Mas eu, tua amante, manteiga, estou aqui. Amante não tem lar. Vem. Te lambuza nessa porra.”

Amigo.

Bebi o galão e comi a tosta e me senti feliz, depois de meses.

Fechei os olhos e senti a glicose e o colesterol subir. E senti que em minha alma estava me mijando. O mijo dialético, simbólico, quente, escorria pelas minhas pernas ontologicamente dependentes de manteiga. 

Eu me senti feliz pela primeira vez em meses, e qualquer pessoa no mundo me entenderia, porque eu venho do Brasil. E o Brasil este ano, foi pior que final de temporada de Game ou Thrones. Sendo que me parece que esta é só a segunda. 

Na Pastelaria, senhoras chegavam para o seu ‘pequeno almoço', o nome dado ao café da manhã, aparentemente, por aqui.

Eu tenho vontade de dizer pra eles que não é pequeno almoço. Que prego é uma ferramenta de metal pra ser fixada na parede, que pica é jéba, que bicha somos todos, mas aí eles vão apontar pro túmulo de Camões, que inclusive tá há duas quadras do Pastel de Belém e, enfim. Eles que inventaram a porra da língua. Tô tendo mais - estou a ter mais - problema com autocarro e comboio. Comboio pra mim é um monte de mexicano em pick-ups, dando tiro pro alto e cantando “El Dom Pablo de Sinaloa", cocaína pra caralho, cordão de ouro, Mikey Mouse vomitando MD porque ele vai pro México pra tentar se reabilitar, mas não tá rolando. E tudo bem. Cada um na sua busca.

Acho que hoje eu entendi como o tempo passa em Lisboa. E passa lento. Frio, lento e devagar. E isso não é ruim. Estar no tempo é algo que não recomendo. Os tempos estão estranhos, violentos e fluidos. Quem dera estivéssemos todos suspensos como o tempo em Lisboa. Apesar de terem seus problemas internos. Tem uma pessoa que escreve “merda” em todos os muros de Benfica. Tá ruim pra ela. 


Recomendo muito a Pastelaria Colmeia. Tem 300 vacas ali. E é o melhor lugar pra se voltar a escrever crônicas sobre a vida, coisa que eu não fazia há 4 meses e meio.

Obrigado, Lisboa.

 
 
 

4 Comments


prof.christiane.ufrrj
Dec 19, 2018

Excelente texto! Como carioca de Campo Grande, que vive em Lisboa há 10 meses, consigo perceber imenso os teus paralelos!

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lml22
Dec 11, 2018

Que os galões portugueses não te façam mal e te incentivem sempre a escrever sobre a vida. Faz falta quando você se cala. Abraço!

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helenpatricia_costa
Dec 11, 2018

Mano que saudade eu estava de vc! Hj de manhã vi umas fotos no instagram de vc com sua esposa e agora este texto, que bom Anderson. Estou aliviada e feliz por vc, por vcs. Felicidades querido! Muitas alegrias aí

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gabilpmedeiros
Dec 11, 2018

Que bom vc de volta e ainda fazendo esses paralelos que só você mesmo!

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Pelo escritor Anderson França.

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