O que eu acho da Damares?
- Anderson França, Dinho
- 13 de dez. de 2018
- 4 min de leitura
Que interessante que você perguntou isso. Foi tanto "...ok, mas..." que eu ouvi hoje, que eu tive a convicção que essa geração, nascida no tempo de um governo de amplas políticas sociais, num governo que respeitava a democracia, num momento da política e da economia que fez com que uma geração inteira fosse considerada a mais privilegiada dos brasileiros desde a década de 1980, hoje, eu tive a convicção que essa geração não está pronta pra ser algo que a minha, por exemplo, foi obrigada a ser, porque era a única coisa possível:
oposição.
Sobretudo quando percebemos que essa geração milita pelo celular. Diferente das outras gerações de esquerda, que se reuniam nas ruas, escolas, eventos. Não há sequer uma homogeneidade no discurso. E se você inclui as narrativas de raça, que não existiam como hoje, aí você tem mais complexidade.
A Damares é pouco conhecida pela esquerda jovem, como especialista em direitos humanos, especialmente contra a pedofilia, do que ela foi vítima.
Aí tem um erro estratégico: quando a gente não legitima, não vale. Mas quem somos nós, esquerda? E quem a Damares representa? Outro comentário desses dizia: "nós, mulheres", "a gente não vai permitir", não existe mais "nós", "a gente". Damares representa uma maioria. Nós perdemos. E "nós", tem muita coisa aí. O feminismo, enquanto movimento político, deu tiro no próprio pé apoiando homens brancos para a candidatura anti-Bolsonaro, e não uma das duas mulheres negras na disputa. As mulheres representadas por Damares não são apenas evangélicas. Não se iluda com esse outro engano. Tem espírita, budista, candomblecista, católica de montão. Amigos, eles venceram. Não existe mais essa falácia de representatividade ampla, isso é mais uma aspiração que uma realidade.
Agora, você quer mesmo saber o que eu penso dela?
Primeiro, que ela, sendo pastora, não deveria estar ali. Como protestante, entendo que lugar de pastor é na igreja. Fim. Não negocio esse ponto.
Segundo, que ela não deveria ser indicada, porque ela é uma nítida provocação de Bolsonaro aos movimentos sociais feministas.
Terceiro, que ela não tem preparo para uma gestão de pasta, ancorada num discurso conservador, fundamentalista e castrador de direitos. Com ela, não tenho dúvidas, a tão batalhada bolsa-estupro desejada por evangélicos e católicos, vai ser aprovada.
Mas, e aí? Que fazer? Olha, eu tenho pensado muito em falar, investir meu tempo, e não desperdiçar meu tempo. E prefiro, estrategicamente, falar das candidatas negras eleitas, boa parte delas pelo PSOL, mas também da Rede, PCdoB, PT e partidos de centro esquerda. Prefiro investir meu tempo falando de Talíria Perrone, de Samia Bonfim, de tantas mulheres que entraram na disputa, e motivar que elas levem e vençam pautas pró-direitos, que gastar meu tempo oportunizando a visibilidade de um peão de Bolsonaro. Observe: Bolsonaro te ganha sempre que você decide dar moral negativa pra algo dele.
Precisamos falar de deputados e deputadas que pretendem a democracia e a soberania. Falar deles, mais que ficar reféns da pauta do dia.
Mas há algo estratégico que devo fazer.
Se sou ativista de internet, vou ficar num choro mimado, postando hashtag e fazendo pantim. Mas como estrategista, vou parar de atacar a fé da Damares, e sua pessoa, e focar nas milhões de mulheres que são representadas por ela.
Contra-evangelismo.
É buscar cada eleitora desse governo, conhecer seu universo, onde constrói suas convicções, e trazer essa pessoa pra mim. Isso vai demorar, e quero que esse projeto seja parte da retomada da democracia, que já acabou no Brasil. Isso é pra 2020, ou mais. Bolsonaro ficou duas décadas desejando o Planalto. Se queremos retomar, não será amanhã ou depois, e like não vai mudar porra nenhuma. O cara tá eleito. Não ia ter Copa, teve. Não ia ter golpe, meio que teve. Não ia ter Temer, teve. Não ia ter ele, teve. Acho que tá na hora de mandar pro vestiário essa pessoa que faz as hashtags.
Luta vai ser um a um, dia a dia, não humilhando pessoas, não ofendendo sua fé, seu pé de goiaba, mas pensando em algo talvez um pouco maior. Não sei se um pouco maior, até porque, no fundo, eu não sei se o Brasil vale a pena mais.
Depreciar a Damares significa depreciar milhões de mulheres, inclusive da tua família, que votaram nele. Pode ser ótimo. Revenge, yeah. Fuck you, Dinho, sou millenial, vou botar pra éfe.
Damares vai ser uma das peças para controle de audiência e provocação da opinião pública. Ela está no governo para diversionar, distrair, tirar o foco de reais problemas, mais que para ser uma solução para direitos humanos. Bolsonaro testou Damares nesse episódio, e pasmem, deu certo. O sangue de Damares parece ter poder com a esquerda ingênua e desavisada. Damares está no governo exatamente para isso: dar declarações sem nenhuma conexão com a realidade, e fazer você perder tempo com isso, enquanto do outro lado, Lorenzoni abre caminhos para violações em todos os níveis.
Evite valorizar tudo que ela diz, concentre-se nas mulheres eleitas pelo voto na democracia. Tua catarse não vai apagar o resultado das urnas. Deu ruim, queridos. Será que vocês ainda não entenderam que dia 1 de janeiro, vai ser Temer passando a faixa pra Bolsonaro, em rede mundial?
Tem que mudar a estratégia. Damares não deveria estar lá. Mas agora está. Fudeu. Vamos pensar daqui pra frente.
Um conselho: deixem o tempo das hashtags. Vamos pra rua. Pro ao vivo. Pros encontros.
nossa dinho, que saudades de ler teus textos cara!
Concordo com todas as vírgulas que você escreveu nesse texto, infelizmente também cometi o erro de acreditar que o #Elenão poderia dar certo e militei. Infefelizmente deu tudo errado e a tragédia e o caus vão começar a partir de 1 de Janeiro. 😢