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Meu amigo indiano.

Algumas pessoas já me falaram que o atendimento em restaurantes em Lisboa se parece com o do Rio. Parceiro: NADA se parece com a desgraça do Rio. MUITO EMBORA eu tenha verificado uma certa ANCESTRALIDADE aqui em Portugal, pro atendimento que cariocas dão. Raiz é raiz, amores. No Rio, os cara joga um pano de chão sujo de mijo na tua cara e chamam isso de "bom dia, o que o senhor deseja?" Aqui em Lisboa, os atendentes, quando portugueses, parecem estar com raiva de alguma coisa. Mas não sei se é comigo, acho que não é. Acho que são os salários, ou a carga de trabalho. Isso faz com que muitos deles te olhem com certa impaciência e te atendam como se você estivesse atrapalhando a vida deles. Mas não são todos, e eu tive poucos episódios de ser mal atendido em Lisboa, muito embora, sinto saudade de São Paulo, meu amor, meu tudo. Acho que não tem um atendimento melhor, em língua portuguesa, que em São Paulo. E eu já fui atendido em Bangu, na Nova Holanda, no 25 de Agosto e no Cachorrão da Violante em Piedade, lugares onde sempre encontrei atendimento padrão Meu Consagrado, Meu Abençoado, e em São Paulo, onde sempre saio querendo casar com os atendentes. Aqui tem amor não. Tem educação, mas amor, não. Quando são brasileiros ou outros imigrantes atendendo, 100% de chances de você curtir a experiência, sem medo. Pode errar o menu, que eles vão ter paciência pra te explicar. Pode falar português do Brasil, porque você sempre viveu lá, e se em Londres teriam paciência com você, porque em Portugal tem que ser diferente? Mas eu fui em restaurantes onde portugueses me atenderam com muito jeito e carinho. Apenas ~ouço falar~ que tem uns atendimento zuado, de uns amigos aí. Por aí.

Deixa quieto. Andei um pouco pra almoçar e vi que tinha, numa esquina, um restaurante indiano. A primeira vez que fui em um foi no Rio, em Botafogo, que fechou. Era...não lembro a porra do nome, Thai alguma coisa. Bom pra caralho. Fui logo que minha esposa e companheira veio morar comigo no Rio, em 2013. Ela, sempre muito curiosa pra gastronomia, sabe viver. Da outra vez que fui, também em Botafogo, vi que a Clarice Falcão estava numa das mesas, o que me fez ficar alerta, pois a qualquer momento poderia sair da cozinha um Ukulele Cozido no Vapeur com saladas de Planc e Adriana Calcanhoto de sobremesa, servidos por Marcelo Camelo dando uma gargalhada à la Prem Baba abrindo uma boca cheia de dente e aquela barba dele pingando suor na minha língua. Esse restaurante, inclusive, não era bom. Deixo o alerta. Se Clarice estiver lá, pule pro outro. Aqui era um restaurante pequeno. Uma portinha, e estava fechado. Entrei, bati palmas, e veio ele. Um mini-Molon. Alessandro Molon, sonhos molhados. Molon super passaria de indiano aqui em Portugal, e um indiano gato, porque em se tratando de Molon, nacionalidade tem valor secundário. O garçom era um jovem muito gato, e não sabia português. Eu não sei inglês, então, nos realizamos no olhar. Viadismo moment, in portuguese. Tava quase tocando aquela do João Bosco, "uma queda de patins, em Paquetá.


Mostra. Doeu? AINDA DÓÓÓI"


Daí o cozinheiro grita algo em indiano como:

Vamo parar com essa piranhagem multiracial aí e anota o pedido do gordo!

Escolhi um pão indiano, um Tikka Masala e um arroz Basmati. Veio tudo das mãos de dois indianos roots, comida gostosa, fodona, linda, bem apresentada, e BARATA. Tudo deu 11 euros, e eu comi como um boi. A quantidade de comida que veio dava pra dois. Mano, o jovem garçom era alguém nitidamente novo aqui, e com habilidades para estar em qualquer outro emprego. Ele tinha uns trejeitos de acadêmico, saca esses cara da UERJ que trabalham de garçom pela primeira vez? Então, ele. Pensei: não tá fácil. Ele veio pra cá por mil motivos, eu também, por outros. Eles me atenderam bem pra caramba, e o melhor: rápido. Enquanto fizeram e me entregaram o almoço, se eu tivesse pedido uma TOSTA (misto quente) numa padaria, os cara ainda estariam fazendo a massa do pão. Não sei como imigrantes tratam portugais. Talvez como os donos da casa. Mas imigrante trata outro como família. É diferente. Em ambos os casos, tem respeito. Mas tu sente no olhar que há algo em comum, apesar de termos vindo de terras tão diferentes. Meu amigo indiano ia na mesa, todo momento, tentando saber, com gestos e olhar, se tava tudo bem. Puta esforço que o cara tava fazendo. Eu me comovi real nisso. Servir comida é participar daquele momento mais sagrado de por comida na mão de alguém. Tu, quando tá com fome, e pega na comida, tu nessa hora, não quer ser bem tratado? Então, é isso, jovem. Acolhimento. Restaurante bom não é sobre cardápio. Nunca foi. Quem inventou isso o fez porque ganhava dinheiro de marca de carnes, de farinha, de panela. Alimentar é acolher.


Nós percebemos que não falávamos a mesma lingua, mas a gente sabia sorrir. E os olhos brilharam. Ficamos amigos ali. E o mundo ficou menos solitário em Lisboa. Eu tenho vontade, mesmo que alguns projetos deem certo, de servir comida em Portugal. Fiz isso no Rio, e aprendi na prática quem é o ser humano. Todo mundo deveria fazer isso, e vai perceber que mesmo sem dominar idioma, o acolhimento é uma linguagem que se entende, em qualquer lugar do mundo.


Paguei 11 euros, comida de verdade. Indian Spicy Square. Fica em Carnide. Se estiver em Portugal joga no maps e vem.



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