Freixo morreu, Damares tá vivona e vocês de novo caíram no agá.
- Anderson França, Dinho
- 18 de dez. de 2018
- 5 min de leitura
Em 2015, eu debati nas redes sobre a importância de valorizar o pensamento político das pessoas da periferia e subúrbio.
Em 2016, mergulhei fundo na questão dos privilégios raciais e da comoção seletiva. Em 2017, criei um estado de desconforto máximo, apontando o racismo em cada movimento ocidental: o socialismo, o feminismo, o cristianismo, o veganismo, o capitalismo, tudo, fundado no pensamento de inúmeros intelectuais negros, digeridos pra um formato de post e crônica. Em 2018, já pagando um preço alto pelas críticas que fazia, de situações mais extremas como ameaças de morte, até meras agressões verbais vindas dos grupos que critiquei, de esquerda e direita, homens e mulheres, ensurdecidos pelo clima de eleições e pela polarização deste ano, decidi terminar aceitando que perdi. Perdi as eleições, seja porque trabalhei com Marina, e ela não foi eleita. Seja porque Vera não foi eleita. Seja porque Ciro não foi eleito, ou Haddad. Não apenas eu perdi. Milhões de pessoas perderam. As que admitiram, e as que não admitiram. Inclusive, e principalmente, as que votaram no Bolsonaro. Perderam, e não caiu a ficha ainda. Eu perdi meu chão. Saí do Brasil em silêncio, diante de uma realidade que afetava diretamente a mim e minha família na Zona Norte do Rio, onde tive a casa invadida. Um lugar que ameaça Marcelo Freixo, deputado com o qual tenho divergências, mas estou certo que não o quero morto. Quero divergir de Marcelo, ele vivo. E mesmo assim, teve gente de esquerda que achou errado eu me solidarizar com ele, no momento em que foi ameaçado. A geração da neta da Cidinha não está pronta para a complexidade da vida adulta, tampouco o fazer político. As redes sociais, escola desse povo novo, ensina que devemos odiar e desejar a morte. Eu não. Divirjo, cago e ando, cuspo no chão da São Salvador. Mas não aceito que ameacem. O PSOL é alvo no Brasil. Matar Freixo é matar a liberdade, o último resquício institucional de liberdade. Mas Freixo, na verdade, enquanto sujeito, já morreu. Ele, pessoa, pai, marido, trabalhador, ele não dorme direito, não anda na rua direito. Não pode ir a muitos lugares. Precisa olhar sobre o ombro. Precisa medir o que dizer. Se você pensar bem, Freixo, enquanto sujeito que goze de liberdade, como você, por exemplo, esse Freixo já está morto. E com ele, estamos muitos. Ser eu não é fácil. Sou cheio de traumas, 7 mil traumas. Debato com as pessoas de ruim, eu tenho complexos de inferioridade, sou intolerante e não faço o que eu falo. Sou o cardiologista que fuma. Me perguntei, esses dias, no que deu, já uns 6 anos escrevendo para um público cada vez mais adoecido emocionalmente. A grande questão, e nem deveria ser, é, de novo, Damares. Pedir que se respire e se conceda a ela o direito de ser mulher com sua narrativa de violação, algo que respeitamos quando uma mulher escreve suas dores, se tornou algo inconcebível. Argumentos repetitivos como "mas isso não dá salvo conduto", "talvez nem seja verdade", entre outras aberrações cognitivas, que fazem com que essas mulheres - homens - que se pretendem representantes máximas de um movimento de muitas faces, reproduzam frases que, colocadas lado a lado ao que eleitores de Bolsonaro diziam de Marielle, tu não consegue saber quem é quem. Violência.
Deslegitimidade do interlocutor.
Seletividade da credibilidade. Condicionantes de veracidade e empatia. Vocês adoeceram. Emocionalmente doentes e ressentidos. E quanto mais brancos e brancas são, em suas bolhas de privilégios de grana e acadêmicos, mais doentes estão. Manuela D'Ávila se posicionou de maneira crucial. Não esculhambou a ministra e no fim, dentro do espaço diplomático que sua profissão exige, pois ela é política profissional, recebe honorários para isso, tem carreira consolidada nisso, é formada para isso, ela no fim pede adesão para que se encontrem soluções conjuntas. A massa ignara parece ter engolido Manuela como, nas eleições, vi engolirem Marina. Eu não sei. Quando olho pra mulheres me atacando, dizendo que essas críticas são ultrapassar a linha que um macho pode no sentido de criticar o feminismo, eu me pergunto se elas entendem a responsabilidade que tem como movimento político. Do que identitariamente tergiversem, seja lá com elas. Mas enquanto disputa no palco da coisa pública, todos nós devemos ser cobrados. O que eu posso dizer é que, macho, apoiei a candidatura das duas únicas mulheres negras na disputa presidencial. Coerência. Não dá pra ouvir 6 anos de demandas de movimentos sociais feministas e numa eleição com duas mulheres negras, eleger um homem branco. Eu perdi. Nem sei mais se devo escrever sobre o Brasil. Agora eu não estou mais no Brasil. Tem gente esquerda dizendo que perdi esse direito. Que tô na Europa, "na vida de glamour", e eu aqui visitando Cova da Moura, periferia da grande Lisboa, onde jovens negros morrem, igual aí. Perdi. O Ministério Público Federal vai despejar a Universidade da Correria, que fica no Galpão da Ação da Cidadania, do Betinho. A Ação será despejada e, porque nos acolhe desde 2016, iremos pra rua junto. Nós que fomos acolhidos por eles, formamos mais de 4 mil alunos para ingressarem no que chamamos empreendedorismo popular, com foco na economia coletiva e solidária, hoje eu soube que devemos recolher nossas coisas e sair. Perdi, minha casa, minhas coisas, meu espaço de aulas, minhas memórias, meus livros, muitas roupas, muitas lembranças. Meu país. Meu estado, tudo. Sinto na minha pele a perda. Mas me pergunto, diante desse novo chilique coletivo e de intolerância diante da Damares, puro diversionismo do Bolsonaro, e vocês caindo como trouxas de novo, de que adiantou escrever, se cada vez que aponto pra outro lado, viro lixo, e sobrinho de Satanás. Eu tava hoje no trem, indo pra Cova. Tem uma Europa que não está nas fotos de turistas, assim como europeus acham que o Rio é o da praia. E vi uns jovens negros, conversando. Estou cada vez mais mergulhado nessa realidade aqui. De gente do mundo todo: árabes, muçulmanos, judeus, africanos, latinoamericanos, europeus, num mesmo território de tensão. Acho que talvez ganhe mais em me dedicar a estar falando de uma realidade onde as pessoas já perderam tudo, e agora querem construir o mínimo pra viver o tempo que sobrou. Acho que encontrei, entre os imigrantes, o pragmatismo e a união que tanto procurei nas ruas da minha terra. Aqui o ego é mínimo, a compaixão é máxima. Todo mundo debaixo de mesmas opressões. Eu não sei quando vocês, guerreirões fodas de internet, se ligaram que faltam papo de 2 semanas para o INÍCIO do governo que será o mais duro e problemático desde 1964. Bater em mim já não resolve. Precisa mudar o discurso.
Acompanho suas palavras fazem alguns anos. Ganho perspectiva...Gosto de vc pra caramba.
Sua leitora de Belford Roxo.
Estamos, os que ficamos, todos meio mortos.Especialmente os negros, especialmente NOS MULHERES NEGRAS. O medo que sempre sentimos, aumentou exponencialmente. Converso com minhas amigas e todas temem por seus familiares e amigos. Estamos todos mortos. Eu penso TODOS OS DIAS em sair do Brasil, e tenho a possibilidade de ir , mas nao consigo deixar meus pais aqui. Entao...eh um plano que se acontecer, vai levar uns 10 anos pelo menos. Ate la, decidi nao assistir mais TV, telejornal, me tornar alienada, desinformada e tentar manter minha sanidade mental. Foi o que me restou. Leio o que vale a pena - como seus posts e outros poucos. E assim seguimos. Nao consigo avaliar seu sentimento de deixar tudo para tras,…