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Boulos, o atentado, e o Batman Cego.

Ontem, em Estrasburgo, o ex-candidato à presidência pelo PSOL, o ativista e especialista em políticas de habitação Guilherme Boulos, foi ao Parlamento Europeu apresentar suas reflexões sobre o perigo iminente sobre as liberdades individuais, que visa criminalizar os movimentos sociais no Brasil, neste que se tornou o tempo mais perigoso da história da República, depois da ditadura civil-militar imposta ao povo brasileiro em 1964, que durou até 1984.




O período pós-ditadura teve alguns momentos de relativa importância, até alcançar um clímax em termos de políticas sociais, no governo de Luis Inácio Lula da Silva (2002-2010), continuado, em parte, por Dilma Roussef (2010-2016, interrompido por impeachment). O governo de José Sarney foi desastroso, com alterações na moeda e inflação sem controle. O governo Collor de Melo foi manchado por um grave caso de corrupção e uma ausência de bases de articulação política, e ele foi retirado por impeachment, sendo este o primeiro caso de saída de um presidente antes do seu mandato, na retomada da democracia por civis. Fernando Henrique, que foi ministro da fazenda de Itamar Franco, vice de Collor, governa de 1994-2002 e promove privatizações, alterações nos códigos legislativos e cria uma nova moeda, o Real. Lula estabelece alguns dos maiores programas sociais do mundo, entre eles o Bolsa-Família, promove o aumento do ingresso de negros nas universidades brasileiras, e, apesar de ser acusado de forte corrupção, esquecem-se seus acusadores que esta corrupção já existia nos governos militares, Sarney, Collor e Fernando Henrique, e continuarão, com Bolsonaro, pois o Estado brasileiro é refém de empresários e fiscais dedicados a esquemas de corrupção, portanto, não foi Lula ou Dilma quem criaram mecanismos de corrupção, eles já estavam lá, impedindo qualquer forma de governo que não passasse por baixo do pano.


Com a saída de Dilma, o Estado acelera seu caminho em direção a uma direita recém surgida, controversa, autoritária, preconceituosa, cruel e violenta, amorfa, sem propostas, radical, xenófoba, racista, machista, conservadora e homofóbica.


E isso começa a se refletir em projetos de lei que visam o controle de cidadãos e movimentos, projetos que começaram a tramitar no Congresso mesmo em 2013, pelas bancadas conservadoras, já com olho em 2018.


Com a ascenção do autoritarismo de Bolsonaro, o cenário de criminalização dos movimentos sociais está completamente montado. Nos principais estados do país, excetuando-se o nordeste, as alianças de direita lideram com promessa de aniquilar minorias.


Boulos vai ao Parlamento para pontuar essa grave situação e encorajar países a se posicionarem.


Enquanto ele falava para os eurodeputados, numa audiência muito interessada, em Campinas um homem entra numa igreja de confissão católica, dispara e mata 4 pessoas.


Euler Grandolfo, 49 anos, analista de sistemas. Homem hétero, branco, que relatava ser perseguido. Não posso afirmar, pois não tenho os recursos de perícia para isso, mas este é bem um perfil que se encaixa nos homens que participam de fóruns de chans, como o dogolachan, criado pelo troll misógino Marcelo Mello, preso em maio de 2018 na Operação Bravata, ou como André Gil, que atirou contra uma mulher pelas costas e se suicidou em seguida, conhecido como Kyo, outro misógino integrante de grupos de chans, sites onde homens, em sua maioria brancos, hétero, e muitos que moram com os pais, caso de Marcelo e André Gil, se declaram "santcus" e passam dias e noites na internet, propagando mensagens de racismo, misoginia e ódio.


Este é um perfil que deveria ser investigado quanto a sua participação em grupos na deep web. São características muito próximas destes outros criminosos, que geralmente promovem atentados para registrar seu protesto, e se matam, sendo celebrados como mártires por outros integrantes. Este grupo perseguiu Lola Aronovich e a mim, em 2017, oferecendo 40 mil reais para quem me executasse na FLIP daquele ano. São grupos ligados a alt-right e patrocinadores de Bolsonaro nas redes, militantes virtuais e que propagam mensagens neonazistas, e que criaram mesmo o que ficou conhecido como Bolsocoin, moeda digital que apoiava ações de campanha de Bolsonaro e ataques a personalidades. Um pouco depois de Boulos ter falado, um outro homem dispara na cidade onde ocorrera o evento que recebeu Boulos, exatamente numa cidade que abriga o Parlamento, e lá mata 4 pessoas.


Estrasburgo, diferente da igreja em Campinas, é uma cidade fortemente vigiada por mais de mil câmeras. Por ser território de governo, há planos de integração de polícias federais e de operações especiais de vários países. Polícias e inteligências de Espanha, Alemanha, Itália, Inglaterra, França, a Interpol e outras forças combinam ações para monitorar o espaço onde transitam os legisladores europeus, suas famílias, e os cidadãos da cidade. Levantamento sobre o homem que efetuou o disparo foram feitos, e ele já era conhecido como ameaça pelas autoridades. Este homem, porém, teve êxito em matar 4 pessoas.


E quando a notícia da morte de pessoas em Campinas saiu, eleitores de Bolsonaro celebraram um momento para reforçar a venda de armas, dizendo que se "houvesse um homem de bem armado, isso não teria acontecido".


Veja bem. Em ESTRASBURGO, território fortemente monitorado, não se evitou um atentado, mas em Campinas, segundo bolsonaristas, seria simples evitar. Além da falta de humanidade destas pessoas, há a pouca compreensão técnica de confronto. Especialistas em conflito armado relatam que a fisiologia de um confronto pode ser algo para o qual poucos estejam preparados. Há o tempo de reação, que pode ser de 6 segundos a 40 segundos (e quem já está disparando consegue matar 5 pessoas em 40 segundos, se há proximidade e se são alvos parados), ou seja, mesmo que houvesse alguém com a HABILIDADE SOBREHUMANA de alvejar o atirador, o número de vítimas fatais seria o mesmo, pois a reação não pressupõe eficácia de tiro e posicionamento de ataque, ou mesmo, que você, reagente, já não tivesse sido morto sem ao menos ter visto, caso fosse o primeiro a ser morto. E se o homem com uma arma foi o primeiro a ser atingido?


Uma pessoa, um profissional de arma de fogo, que treina de 4 a 6 horas por dia para confronto, sabe que suas chances nessa situação não passam de 20%, razão pela qual na França, mesmo com especialistas de ponta, o crime não foi evitado.


A bestialidade humana encontrou nos regimes democráticos uma forma de crescer e se desenvolver, e por isso estas pessoas estão livres para dar o próximo passo; liberar a venda de armas e aumentar o número de homicídios.


Eu lembro de quando eu era criança e todos os meus colegas tinham bonecos de super-heróis. O meu, eu tinha ganho, era velho e sem os olhos. Era o Batman cego. Porém, para impressionar meus colegas, eu dizia que o Batman cego tinha poderes que nem o Superman tinha. Isso não estava nas revistas, na história, nada. Eu criava, para continuar alimentando minha ilusão de que um boneco, inferior, era capaz de ser mais fodão que todos os outros, alinhados e preparados. O mito do Batman Cego. O Batman Cego podia ficar invisível. Podia virar água. Podia virar fogo. Podia tocar guitarra e era presidente do país dos heróis. Os eleitores de Bolsonaro estão na fase da infância em que se acredita no Batman Cego. E isso vai custando vidas.


Boulos foi alertar o mundo sobre isso. Nós todos estamos alertando.

Minha oração hoje é por Campinas e Estrasburgo.

Estamos em luta.



 
 
 

1 Comment


ivanagalm
Dec 12, 2018

Serão 4 anos (e provavelmente se estendam por muitos mais) de derramamento de sangue, na minha cidade vizinha aqui no sul uma travesti foi alvejada na rua no fim de semana e os meios de comunicação nem noticiaram o fato, por ser uma travesti. Mas esperar o que da imprensa fascista do sul que elegeu Bolsonaro e um ser chamado Comandante Moises para governador, do qual ngm havia ouvido falar o nome. Só teus textos para colocar nossa cabeça um pouco para fora dagua para respirar neste turbilhão Brasil. Obrigada Anderson.

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Pelo escritor Anderson França.

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